Pois é, encontrámos o Pai Natal ao volante de um táxi. Para os atrasados, cépticos, incrédulos ou meramente distraídos, aqui fica o nosso radiofónico milagre de Natal, em jeito de entrevista.
O Pai Natal Reformou-se
Ninguém acredita nele mas toda a gente lhe escreve cartas. Do Action Man à consola mais high-tech, dos telemóveis às barbies, chegam-lhe pedidos de tudo e de todos. Cansado do frenesim consumista trocou as renas pelo táxi, a roupa vermelha pelo fato de treino e o Jingle Bells pelo último êxito do Marco Paulo. A tradição já não é o que era e o Pai Natal decidiu reformar-se. Por| Inês Marques
Ah, o Natal! O calor das ruas iluminadas desde Setembro, as compras; o jantar de família, as compras; a árvore de Natal, as compras. E, é claro: as compras!
Imbuídos do verdadeiro espírito da época, os portugueses deixam tudo para a última da hora e enchem de véspera os Centros Comerciais, revirando prateleiras como quem procura um milagre. Não há consoada sem presentes e quem melhor que o Pai Natal para nos fazer as vontades? É vê-los um pouco por todo o país, acompanhados pelas respectivas esposas e duendes de mini-saia, a anotarem pedidos e tirarem fotografias com miúdos e graúdos sorridentes.
Não acreditam nele mas, como diz a Joana, de 9 anos, “não custa nada ir lá falar”, até porque, mesmo a barba sendo falsa e os óculos postiços, “até é giro”. É que, nesta altura do ano, mais vale, de facto, “pedir do que remediar”. Será?
Numa época em que, tal como explica a socióloga Rute Faria, “as crianças deixam de acreditar cada vez mais cedo em qualquer personagem de cariz fantasioso”, quem é, afinal, o Pai Natal?
Na tentativa de solucionar velhos traumas de infância relacionados com a quadra, percorremos o país de Norte a Sul em busca desse barrigudo velhinho de barbas brancas.
Do Colombo ao Gaia Shopping, passando pelas Amoreiras e pela Baixa, sem esquecer o Pólo Norte, visitámos todas as suas moradas e entrevistámos todos os seus sósias. Fomos descobri-lo em Sacavém, já sem barba nem bigode, ao volante de um Mercedes com encostos ortopédicos.
Taxista de profissão e Pai Natal de coração, Fernando Domingos, 62 anos, revelou-nos a verdadeira história de um São Nicolau em part-time. Uma entrevista única que finalmente nos desvenda quem são e o que pensam os pais natais em regime de trabalho temporário. Uma história portuguesa, com certeza!
Em primeiro lugar, a pergunta inevitável: acredita no Pai Natal?
Quer dizer, já acreditei mais. Depois de tantos anos a fazer o “papel” de Pai Natal, a ouvir pedidos que temos quase a certeza que nunca se vão realizar, torna-se difícil continuar a acreditar da mesma maneira.
E quando era pequeno?
Sim, sem dúvida nenhuma! E mesmo quando já era adulto. Quer dizer, sabia que o Pai Natal não existia, que não adiantava escrever-lhe cartas nem ficar à espera que ele aparecesse, mas acreditava no espírito da época. Na história de dar e receber.
Foi por isso que resolveu tornar-se Pai Natal em “part-time”?
Acho que sim. Quer dizer, as coisas aconteceram assim um bocado sem eu planear. Um amigo meu tinha uma loja de brinquedos em Lisboa e um dia viu um artigo que dizia que lá fora se utilizava muito esta táctica do Pai Natal para fazer publicidade, e, como eu já tinha o fato, porque costumava vestir-me lá em casa para fazer sempre a surpresa aos meus filhos, resolveu pedir-me para lhe dar uma ajudinha. Eu como sempre gostei desta altura do ano e até estava desempregado, lá fui. A partir daí ganhei-lhe o gosto e, olha, passei a ir todos os anos lá para o estabelecimento.
Mas também trabalhou noutros sítios…
Ah sim! Isto estávamos no final dos anos oitenta, quando começou a ser mais comum cá os centros comerciais e este género de coisas mais americanas. Então começaram-me a falar para ir aqui e para ali, fazer de Pai Natal, e eu lá ia! Na altura fazia uns trabalhos como eletricista e então conseguia arranjar os horários para fazer as duas coisas. Corri mais de metade do país em festas de natal! Uma vez até fui a Espanha para uma inauguração de um centro lá.
Então e a “Mãe Natal” era sempre a mesma ou mudava em todos os portos?
(risos) A minha mulher ficava em casa que não tinha paciência para estas andanças! Mas ela também sabe que eu não ligava muito a isso. A maioria das meninas que iam fazer de Mãe Natal tinham idade para ser minhas filhas. Quer dizer, não é que eu não gostasse da companhia até porque aquilo lá no Pólo Norte é muito frio (risos). Mas sempre tudo com respeitinho. Além disso dantes não se costumava contratar a Mãe Natal, só o Pai. Isto das mulheres agora a fazerem tudo é uma moda nova. Deve ter sido por causa daquela história das quotas ou lá o que é (risos)!
E de sítio para sítio e ano para ano os pedidos variavam ou eram quase sempre os mesmos?
Nos últimos anos mudaram muito. Quando eu comecei a trabalhar era as bonecas, os carrinhos, as bolas de futebol e, de vez em quando, um ou outro jogo assim daqueles mais modernos. Mas agora já era só aquelas máquinas para jogar, computadores, viagens à Disneylândia, coisas caras! Era ver a cara dos pais, coitados, a pensarem como é que iam comprar aquilo tudo! Eu às vezes acho que eles é que tinham vontade de se sentar ao meu colo e pedir para eu lhas arranjar! (risos)
Então e houve algum pai que não resistisse à tentação de o fazer?
(risos) Não! Mas ainda há dois anos houve um miúdo que se virou para o pai e disse que era ele que me devia escrever cartas porque era ele que lhe dava os presentes.
Voltando aos filhos, qual é que foi o pedido mais estranho que lhe fizeram?
Foram tantos! Mas há um que, por muito esquisito que pareça, me fizeram várias vezes: um dinossauro. Acho que devia ser por causa dos desenhos animados ou daquele filme que houve de dinossauros, os catraios houve um ou dois anos que se fartaram de me pedir dinossauros. E poderes especiais. Que queriam ser o Homem Aranha, ou as Tartarugas Ninja, ou o Songoku, eu sei lá! Só sei que metade das vezes nem sabia do que é que eles estavam a falar! Depois ia para casa e perguntava aos meus filhos.
E agora a pergunta que todos os pais devem querer fazer: afinal, quanto ganha o Pai Natal para conseguir comprar tantos presentes?
(risos) Pouco! Às vezes nada. Eu pelo menos quando comecei fazia isto mais por favor e porque gostava de ver os miúdos contentes, portanto quase nem era pago. Ofereciam-me um jantarito ou assim. Depois quando comecei a levar isto mais a sério e a trabalhar nos centro comerciais é que comecei a ganhar mais. Mas de há uns anos para cá começaram a aparecer uma série de empresas que são quem negoceia com as firmas que querem contratar os pais natal. Jão não são as pessoas das lojas que nos pagam. E o que nos pagam é cada vez menos. Até porque a vida está má e também começaram a a aparecer cada vez mais pessoas dispostas a fazer estas coisas por menos dinheiro. Miúdos novos, desempregados, imigrantes, o que for…
Entao o Pai Natal trocou o trenó pelo táxi para não abrir bancarrota?
(risos) Olhe é a vida! Não foi só isso. E eu também sempre fiz outras coisas que isto do Pai Natal trabalhar só um dia por ano é só nas histórias! Mas cansei-me. Os miúdos cada vez pediam coisas mais esquisitas, cada vez eram mais mal-criados e eu deixei de ter paciência. Eu gostava de fazer de Pai Natal porque lá ia havendo um ou outro que chegava todo aos tremeliques com uma carta, a pensar que era mesmo eu que lhe dava os presentes. Hoje já nem os de seis anos acreditam nisso por isso pensei: o que é que eu estou aqui a fazer? Então olha, dediquei-me só à carreira de taxista e deixei as renas para os mais novos que fazem estas coisas em part-time (risos).
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