Wednesday, November 23, 2005

é a cultura. e eu sou o estúpido.

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Antes do comentário que se segue, convém fazer um esclarecimento prévio, à laia da pretensa tentativa pseudo-camuflada de credibilização do comentário algo polémico para os intelectos mais sensíveis, que posteriormente e abaixo se seguirá.
Ando na faculdade. Andei num "bom colégio". E num "liceu" ainda melhor. Estive na área de economia. Mudei para o jornalismo. Passei por cultural. Vim parar à comunicação digital. Enfim, Uma Comunicação Possível, porque afinal é esta a que temos - e longe de mim a resignação mas sou avessa ao desperdício das batalhas perdidas, digamos que não tenho feitio para Manuel Alegre, e viva a alma de poeta.

Já trabalhei em teatro, fiz jornalismo durante dois anos e outros trinta mil biscates pelo meio. Estou metida em projectos culturais até à ponta dos cabelos e segundo os critérios de classificação de públicos continuo, apesar de já estar a passar a validade desta classificação, a ser do tipo "devorador". Que é como quem diz, pouco preconceituoso, que frequenta tipos ecléticos e díspares de espectáculos, performances e manifestações culturais.

Gosto de coisas que os meus amigos acham "surreais" ou então "demasiado eruditas". Gosto do que tem qualidade. E procuro reconhecê-la mesmo nos estilos de que não gosto. Acima de tudo, gosto da qualidade. O que, para mim, não implica fenómenos causadores de exclusão por proto-intelectualismos do umbigo.


Não gosto de proto-intelectualismos do umbigo. E, por isso mesmo, não gosto dos espectáculos da Monica Calle.

Porque acredito que a arte deve ser um fenómeno inclusor e não exclusor. O que não implica o seu reducionismo e simplificação bestial de conteúdo e forma, o seu esvaziamento.

Não acredito no esvaziamento associado à arte - seja esse esvaziamento de conteúdo e forma, de sentido, ou de público, no sentido da sua exclusão.


Passo a explicar. Fui ontem ver "Julieta, cartas fragmentárias a um amor perdido", uma espectáculo a cargo de Monica Calle - como de costume bem aceite/ou pelo menos neutralmente divulgada pela critica e similares - em exibição na Culturgest.

A peça consistia não só na leitura de alguns excertos do incortonável Romeu e Julieta mas também numa colagem-reflexão de textos de autores tão dispares como Emily Brontë, Charles Baudelaire, Astor Piazolla ou Ruy Bello. Até aqui tudo bem. Mas é aqui que começa o problema. No para além dos textos. Na encenação e universo conceptual construído em torno e através da cenografia, movimento e som da peça.


Imaginem quatro mulheres num palco que são simultaneamente mães e filhas, amantes e construtoras civis. Pois.

O cenário - aberto para o mundo da Culturgest por trás da peça, o que, se conceptualmente até poderá ser de louvar, a nível pragmático implicou ouvir-se senhores a gritar, conversar, rir, correr e até ver um carro a sair do seu lugar de estacionamento durante a actuação - assemelha-se ao de um local em construção, no qual, ao longo do decorrer da acção, três das quatros actrizes em palco vão construindo um muro entre si e o publico. Com direito a carregar tijolos, soldar ferros e fazer cimento. Não falta nada.

Mais uma vez, conceptualmente interessante, podendo tirar-se desta metáfora inumeras ilações, mais ou menos directamente ligadas com a peça em si e o seu texto - a construção das relações, os muros das relações, o isolamento e "bla bla bla bla bla" como as proprias actrizes diziam durante a peça - ou até mesmo da construção/divisão entre publico e actores que o teatro implica através da encenação, dos cenários.

Mas talvez pouco pragmático.

Não só devido ao pó no ar que fazia toda a plateia tossir recorrentemente, mas sobretudo pela opção estético-conceptual - que não acredito despropositada por parte da autora - de sobrepor uma leitura num inglês pouco perceptível dos excertos de Romeu e Julieta com estrondos de tijolos a serem empilhados uns por cima dos outros, ou até mesmo pelo utilizar da máquina de soldar.


Sinceramente, até posso arranjar interpretações para isto. Sempre fui perita em arranjar explicações até para o pouco aparente, diz quem me conhece bem.

Podemos encarar esta opção estético-conceptual de manter o Romeu e Julieta apenas como um ruído de fundo cujas palavras reais não necessitamos de compreender para saber do que trata, talvez como uma metáfora desse imaginário, do peso do imaginário presente e reforçado nessa e por essa obra no entender quotidiano das relações por parte da mulher. Estereótipos e ideiais românticos sempre presentes em nós, nas nossas relações afectivas, como um ruído de fundo, cuja origem se perdeu já no tempo e cuja presença já nos passa quase despercebida, não deixando, no entanto, de lá estar.


Mas sinceramente - e sim, sei que me estou a repetir, mas é propositado - SINCERAMENTE! creio que isto é conceptual demais. Para o umbigo demais. Mas o problema não é da Monica Calle. Não tenho nada contra a senhora. Pelo contrário, considero-a extremamente inteligente e talentosa.

O problema é deste fenómeno-movimento pós-moderno de um pretenso intelectualismo artístico auto-centrado. Tão presente em muitas formas de arte contemporâneas.
O problema, entenda-se, nem é tanto o seu grau de hermeticidade maior. É o facto de não haver uma explicação prévia ou póstuma, que dote o público da informação suficiente acerca da visão do autor, por forma a, através do acesso a essa informação, o público ser liberto pelo conhecimento, para reflectir sobre a obra, desconstruí-la críticamente, e construir as suas próprias visões sobre a mesma.

Sem esse grau mínimo de informação e conhecimento como veículo de liberdade de pensamento crítico para o público, o mesmo é colocado à margem do processo artístico para o qual é, no entanto, convidado, ao ser encenado ou exposto publicamente esse mesmo espectáculo/obra.


Sem esse grau de informação e conhecimento como veículo de liberdade de pensamento crítico áutonomo para o público, a arte fecha-se sobre si mesma, castrando ciclos de retro-alimentação, conhecimento e criatividade. Castrando-se, enfim, a si própria.


De referir, no entanto, que dado ser a última encenação do espectáculo, a Monica Calle esteve presente no fim do mesmo para uma conversa com os espectadores. Uma iniciativa que creio estabelecer essa ponte de informação libertadora que é a comunicação entre criador e público.

Mas para romper esta autofagia de algumas formas de encenação contemporânea, creio ser necessário mais do que uma conversa esporádica.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu

21/11/09 4:21 AM  

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