Sunday, November 20, 2005

A Cabala de La Palisse

>>Disco Pedido: "Portugal, Portugal" (Jorge Palma)


Eu bem tento. A sério que tento.

Acordo com boas intenções, que rapidamente transformo em acção pragmática, porque das outras já sabemos que está o Inferno cheio, e Portugal também. Por isso mesmo, dia após dia, saio de casa e compro o jornal - regra geral mais em plural que em singular. E apesar dos títulos e notícias em 75% dos casos dificilmente consideradas relevantes do ponto de vista do esclarecimento e informação acerca da campanha eleitoral, não desisto. Seja por ser optimista demais, ou pura e simplesmente porque render-me a acreditar que esta é a imprensa e o país que temos, insisto em procurar noutros lados. Até porque a crítica deve ser sempre informada, pelo menos, no meu entender, o que já não parece acontecer no que toca às presidenciais.
Sendo assim, sento-me ao computador e abro o Diário Digital. Procuro a secção de política. E deparo-me com uma colecção de títulos que se assemelham ao que, no delírio febril da minha imaginação, creio que seria uma cobertura da Caras notícias acerca das eleições que se avizinham. Cada um propondo a sua pequena cabala mais ou menos explícita. Regra geral tão óbvias que, enfim, assim que os leio só me vem à cabeça a expressão "de La Palisse". Vejamos:




Verdade seja dita, não atribuo culpas aos Meios de Comunicação Social. Sou contra a lógica de cabala instantânea nacionalista que varre o país de lés-a-lés e transversalmente a nível sectorial instruíndo-nos em caso de dúvida, a acusar os Media. Sejam os derrotados das autárquicas - ou até alguns vencedores - os actuais presidentes em campanha, a "opinião pública" personificada no inquérito (regra geral pouco digno desse nome do ponto de vista da sua construcção cientifica) a uma ilustre personagem de rua, ou qualquer indiciado por razões díspares trazidas à praça pública, mais ou menos ilustre.

Por isso mesmo, se a cobertura destas presidenciais se tem dedicado mais a entreter do que a esclarecer, não culpo, necessariamente, os media. Tudo deriva de uma complexa rede de fenómenos socio-culturais. E como deixa entender Letria em "A Verdade Confiscada", os Media estão hoje, na maioria dos casos, mais para tigres de papel do que para cães de guarda/quarto poder.

Culpar os Media é a solução fácil. Até porque dificilmente exercerão uma resposta concertada. Até porque dificilmente poderiam dizer - sem incorrer em grave quebra de confiança e do contrato social implícito que estabelecem com a sociedade - "isso não é bem assim". Até porque dificilmente deixarão de cobrir e noticiar (pseudo) acontecimentos encetados por autores das acusações. Têm que se reger pela suposta lógica do interesse público, e ainda que esta se confunda cada vez mais com a de interesse DO público, um blackout à boa moda dos clubes desportivos implicaria uma grau de concertação entre os diversos grupos que dificilmente aconteceria. Até pela referida razão do "interesse publico", como bandeira da profissão.

Mais do que hábito tornou-se moda falar nestas e noutras cabalas. Nunca esta palavra esteve tão em voga na língua portuguesa. Penso que já é tempo de, das duas uma: ou a classe política, mais concretamente os candidatos presidenciais, dedicarem a quantidade significativa de tempo de antena de que usufruem para debater questões concretas que visem, de facto, o esclarecimento do eleitorado, e não a perpetuação desta versão pós-moderna e em directo de "As Farpas"; ou então resta-nos incluir no diccionário, sob o termo cabala, uma nova definição.

Cabala - substantivo feminino; "prática de atirar areia para os olhos relativamente às questões públicas ou acusações legais de que um seja alvo, regra geral associada a uma lógica de culpabilização dos media ou de um outro actor ou grupo político"; "requisito de acesso à carreira política em Portugal"

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