One down, 9 million and 899 thousand to go
Selecção
João Paulo Guerra
Existem 100 mil portugueses fundamentais, um por cento da população, o resto são figurantes.
O anúncio foi feito pela sub-directora-geral da Saúde, ao revelar que serão esses portugueses "fundamentais para o País" que vão receber anti-virais em caso de pandemia provocada pelo vírus da gripe das aves. Não se sabe que rótulo merecem os outros 99 por cento da população, mas possivelmente serão portugueses desnecessários, descartáveis. E embora a autora da expressão tenha explicado que "indispensáveis" são os "portugueses necessários" para "manter o País a funcionar", é bem natural que pairem à volta do critério muitas suspeitas, pela experiência de que portugueses de primeira e os outros se distinguem por critérios de privilégio, favor e clientelismo. Por exemplo, indispensável poderá ser a "boysada" que gere o aparelho do Estado.
A expressão da funcionária - certamente uma portuguesa "indispensável" - levanta outras questões. A primeira é a dúvida sobre a constitucionalidade da rotulagem. A segunda é que, apesar de todas as cautelas anti-alarmistas, existe de facto uma ameaça sobre a qual os portugueses descartáveis não estão a ser informados. Pelo contrário.
Tudo isto é revelador da desumanidade que caracteriza hoje o exercício do poder. Já houve tempos em que, em situação de perigo, se salvavam prioritariamente as crianças, as mulheres e os velhos e o capitão era o último a abandonar o navio. Agora salva-se quem puder, isto é, os que têm o poder de arranjarem, para si próprios e para outros "fundamentais", lugares no salva-vidas.
À luz desta filosofia, uma pandemia até pode ser bastante positiva para a sustentabilidade das finanças públicas: livra o País de uns milhares de portugueses não fundamentais, velhos que nunca mais morrem ou crianças que ainda não contribuem. Sempre é mais democrático que mandá-los para câmaras de gás.
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